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ESC pode ceder carteira? Para quem? E com que frequência?

ESC pode ceder carteira? Para quem? E com que frequência?

Embora a ESC não possa captar recursos de terceiros, entendemos que é perfeitamente cabível a cessão de crédito, ou seja, a intervenção de um terceiro, que venha a adquirir, comprar ou de qualquer forma tornar-se o novo credor do recebível gerado pela ESC.

A linha divisória entre a cessão de crédito que possa, e a que não possa ser considerada captação de recursos de terceiros é a coobrigação, ou seja, a necessidade de recompra, de regresso assumida pelo cedente, que no nosso foco é a ESC.

Então, se o cedente fica como coobrigado, é possível considerar esta operação como um crédito, ou seja, deve reembolsar, recomprar ou de qualquer forma reincorporar no seu patrimônio o crédito que fora cedido.

Esta operação pode ser considerada um crédito, e se este valor for usado nas operações ativas, estaremos de fato praticando a captação de forma indireta, de recursos de terceiros.

O exercício é por demais simples: tudo aquilo que está na minha esfera de controle (caixa) e que, por alguma maneira, está sendo /usado para as operações ativas, e a ESC tem o devedor de devolver para terceiros, pode ser considerado um crédito, e por consequência, a captação indireta de recursos de terceiros.

Exceção ao acima é, por evidente, as linhas de crédito para uso em despesas operacionais da ESC.

Então, caso o resultado da cessão do recebível seja realizado com coobrigação, esta operação pode ser claramente interpretada como crédito (mútuo, empréstimo) e, repita-se, se usado para as operações ativas (operações de empréstimo, financiamento e desconto de títulos de crédito)

Apenas para exemplificar, tanto é considerada operação de credito a cessão com coobrigação um crédito que cabe destacar a Solução de Divergência nº 9 COSIT [1]que, por haver a coobrigação o cedente, incide o IOF – Imposto sobre Operação Financeira.

Seguindo, na analogia com outras estruturas – note-se: analogia, cabe adentrarmos ao conhecimento de uma estrutura bastante similar a ESC, que é a instituição financeira denominada de SCD – Sociedade de Credito Direito, uma as chamadas fintechs de crédito, que foi regulada pelo BCB – Banco Central do Brasil, nascida pela força da Res. 4.656/18 do Banco Central do Brasil.

Então, em que pese seja uma instituição financeira a chamada SCD – Sociedade de Crédito Direto, a o nosso foco, a ESC – Empresa Simples de Crédito não necessite de qualquer autorização do BCB -Banco Central do Brasil, e também não seja uma instituição financeira, cabe com a luva à mão, a boa comparação entre ambos.

O ponto de toque entre ambas as estruturas, ESC e SCD, reside exatamente, como a “pedra angular” , na total vedação da captação de recursos de terceiros.

Exatamente. Existe uma instituição financeira (SCD) que, contrariando tudo o quanto já foi visto e revisto, inclusive no conceito trazido pela Lei 4.595/64 – que fala expressamente, quando conceitua instituição financeira, na captação e intermediação de recursos próprios e de terceiros, não pode captar recursos de terceiros.

Vejamos o conceito de SCD, trazida pela Res.4.656 de 26 de abril de 2018 do BCB :

Art. 3º A SCD é instituição financeira que tem por objeto a realização de operações de empréstimo, de financiamento e de aquisição de direitos creditórios exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, com utilização de recursos financeiros que tenham como única origem capital próprio.

É de se observar o caput do art 3º , in fine, que traz uma vedação expressa, mesmo que contrário senso, de captação de recursos de terceiros, ou seja, a SCD somente pode operar “com recursos financeiros que tenham como única origem capital próprio”.

E ESC, por se turno, no art. 1º da Lei Complementar 167/19 já deixa muito claro a origem dos recursos financeiros usados para as operações: “ exclusivamente com recursos próprios”.

Mesmo com tal limitação expressa, e que não se discuta a clareza solar do que foi, na certidão de nascimento da SCD, a vedação de captação de recursos de terceiros, a expressão  “exclusivamente com recursos próprios”, a estrutura fintech SCD pode, sem que isso seja considerado uma afronta a Res.4.656/18 BCB, ceder a carteira de recebíveis, sem que isso, objetivamente, e por evidente, seja considerado uma captação de recursos de terceiros.

Bom, se assim o fosse, a mesma regra não poderia trazer um conflito interno, ainda mais no que se refere uma heiliges Gesetz (regra sagrada) de não poder captar, de qualquer forma, recursos de terceiros.

Então, vejamos a regra para que a SCD possa ceder carteria – recebíveis futuros, com a intervençao de terceiros que passarão a ser  titulares do cédito, sem que isso possa ser considerado captação de recursos de terceiros:

Art. 6º A SCD pode realizar a venda ou a cessão dos créditos relativos às operações de que trata o art. 3º apenas para:

I – instituições financeiras;

II – fundos de investimento em direitos creditórios cujas cotas sejam destinadas exclusivamente a investidores qualificados, conforme definição da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários; ou

III – companhias securitizadoras que distribuam os ativos securitizados exclusivamente a investidores qualificados, conforme definição da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.

Mas a ESC somente pode ceder carteira para instituições financeiras, fundos de investimento e securitizadoras, sendo estas duas últimas estruturas, que distribuam ativos somente para investidores qualificados?

A resposta objetiva é: claro que não?

Exatamente por não ser uma instituição financeira, a Res.  4.656/18, embora possa e deva ser usada de maneira analógica, não se aplica a ESC.

Então, por ser uma empresa eminentemente privada, a ESC pode ceder carteira para quem tenha interesse, e lembrando: o adquirente estará recebendo um ativo financeiro, a considerar que o contrato da ESC, uma vez (e sempre deve) registrado, nos termos da Res 4.593/2017 BCB,   para a ser considerado um ativo financeiro, com maior valor negocial:

Res. nº 4.593 /2017  BCB:

Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre o registro e o depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, emitidos no País, bem como sobre a prestação de serviços de custódia de ativos financeiros por essas instituições.
Art. 2º Para fins do disposto nesta Resolução, consideram-se ativos financeiros:
II – os bens, direitos ou instrumentos financeiros:
a) cuja legislação ou regulamentação específica assim os defina ou determine seu registro ou depósito centralizado

Isso porque, pela interpretação dos termos da alínea “a”, do inciso I, do art 2º acima, deixa claro que os instrumentos financeiros (contratos da ESC), são considerados ativos financeiros, quando a legislação específica assim determine.

Vejamos o que diz a Lei Complementar 167/19:

§ 3º É condição de validade das operações de que trata o caput deste artigo o registro delas em entidade registradora autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários, nos termos do art. 28 da Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013.

Com qual frequência a ESC pode ceder carteira?

Ora, se qualquer cessão realizada sem coobrigação não é considerada com captação de recursos de terceiros, por evidente não existe uma frequência mínima ou máxima para a operação.

Por final, os valores recebidos pela cessão reincorporam no saldo disponível – mas limitado ao teto do capital social realizado, para os fins das novas operações.

[1] ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO E SEGUROS OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS – IOF CESSÃO DE CRÉDITO. INCIDÊNCIA. A operação de cessão de direitos creditórios na qual figure instituição financeira na qualidade de cessionária sujeita-se à incidência do IOF sobre operações de crédito, estejam ou não os créditos cedidos corporificados em títulos de crédito, sempre que a operação seja realizada com o intuito de fornecer crédito ao cedente. Para tanto, deve estar presente no contrato de cessão de crédito cláusula de coobrigação, ou, ausente tal cláusula de maneira expressa, o arranjo jurídico e negocial estabelecido entre as partes deve ter sido configurado de tal forma que o cedente responderá, ao final, pela eventual inadimplência do sacado/devedor original. Ficam reformadas a Solução de Divergência nº 16 – Cosit, de 2011, e as Soluções de Consulta nº 76, de 2008, da SRRF04/Disit, nº 35, de 2009, da SRRF05/Disit, e nº 19, de 2008, da SRRF01/Disit.